Sua família sempre lhe chamou de Guto, tanto que você já nem lembra que nome realmente tem. É Guto pra lá e pra cá. Guto no jardim de infância, Guto no colégio, Guto no clube. Você tem todos os motivos, portanto, para ficar lívido e com as pernas bambas quando sua mãe grita lá do quarto: “Ricardo Augusto, venha já aqui”. Ricardo Augusto??? Alguma você aprontou.
Por que cargas d’água somos tratados tão respeitosamente quando alguém está com vontade de nos enforcar? Sua mulher sempre lhe chamou de Beto: só lhe chama de Valter Alberto quando está a ponto de pedir o divórcio. E seu pai só lhe chama de Ana Beatriz quando avisa que a mesada será cortada. Por que cortar a mesada da sua Aninha, papai? A senhora sabe muito bem. Você acaba de virar senhora de 14 anos.
Recebo um monte de e-mails carinhosos que começam com um simples Martha, ou Cara Martha, ou Prezada Martha, uma intimidade natural, já que de certo modo participo da vida através do jornal. Mas quando entra um e-mail intitulado Dona Martha, valha-me Jesus Cristo. Respiro fundo porque já sei que vão me detonar de cima a baixo, vão me chamar das coisas mais horríveis, vão me humilhar até me reduzirem a pó. Mas leio tudo, pois lá no finalzinho encontrarei o infalível “Cordialmente, fulano”. Cordialmente é ótimo. Cordialmente, fui esculhambada.
E quando chega uma correspondência pra você em que no envelope está escrito “Ilustríssima”? Penso três mil vezes antes de abrir. Mas abro, mesmo sabendo que não é convite pra festa, pré-estréia de filme, desfile de moda, sessão de autógrafos ou inauguração de restaurante. Ilustríssima? Só pode ser convite pra palestra de algum Ph.D. em física quântica, pra comemoração do bicentenário de uma loja de molduras ou convocação para reunião de condomínio. Os ilustríssimos não merecem se divertir.
Agora, pânico mesmo, só quando me chamam de Vossa Excelência. Como não sou o Presidente da República, volto a pensar três mil vezes antes de abrir a correspondência, mas não abro coisa nenhuma. Só pode ser do Judiciário. Intimação pra depor.
(Martha Medeiros)
domingo, 30 de agosto de 2009
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